15 de novembro de 2014

Bullying

Sem comentários:
O ano passado, mesmo aqui na escola de Palmeira (Braga), um jovem suicidou-se porque não aguentava mais o gozo sistemático e persistente ao qual os seus colegas o tinham submetido. Porque o silêncio é parte do problema, quero no princípio deste novo ano lectivo, com estas linhas, ser parte da solução. Como visito com regularidade as escolas, para falar da Missão, quero contribuir para que estas cumpram melhor a sua função de formar não só intelectualmente mas também humanamente as pessoas, que amanhã vão tomar as rédeas do nosso mundo.

O bullying nas galinhas e nos porcos
Durante os meus anos de especialização, em Teologia Moral ou Ética, tinha uma admiração especial pelo trabalho de Konrad Lorenz, fundador da Etologia, o estudo comparativo do comportamento humano e animal. Sem pretender atentar contra a dignidade humana, Lorenz, concluiu que muitos dos nossos comportamentos são também exibidos por animais sobretudo os mais próximos de nós na evolução.

Os 5 milhões de anos que nos separam do primata mais próximo, para bem ou para mal, não foram suficientes para transformar ou acabar com a animalidade, que é parte integrante do nosso ser. Apesar de sermos auto conscientes, exercermos, mais ou menos, controlo sobre nós próprios, sentimentos e pensamentos, o que temos em comum com os outros seres vivos, o nosso instinto animal, é de longe o que mais motiva e determina o nosso comportamento do dia-a-dia.

No tempo em que cuidava de galinhas poedeiras, frangos de aviário e porcos observei que sempre que algum destes animais, por qualquer razão, ficava ferido os outros iam morder ou picar na ferida até o matarem. Sabendo disto, a miúdo procurávamos dentro do curral algum frango ou porco que tivesse uma ferida aberta e sangrante para o poder retirar a tempo e coloca-lo noutro local até a ferida sarar, antes que os outros o matassem.

“Al perro flaco todo son pulgas” diz um proverbio espanhol. Bullying é o que as hienas fazem perseguindo um cavalo ferido magro, que mal se tem em pé e está prestes a morrer. Bullying é o abutre a perseguir um bebé, que se arrasta com fome e sem energia no campo de refugiados do Darfur no Sudão para o lugar onde há alimento. Refiro-me a uma fotografia que deu a volta ao mundo e que causou a morte, por suicido, ao fotógrafo que por ela ganhou um prémio mas não ajudou a criança nem sabia se tinha sido ou não comida pelo abutre.

O bullying entre os humanos é, a meu modo de ver, decalcado deste comportamento animal. Os que o praticam buscam os colegas mais frágeis, mais tímidos e mais vulneráveis, não se metem com os fortes, com os que se podem valer por si mesmos. Se Konrad Lorenz fosse vivo talvez validasse as minhas observações e concluísse que afinal o bullying é um comportamento animal e portanto irracional.

Este tipo de comportamento não existe só nas escolas. Bullying foi o que fizeram os fariseus ao trazer a Jesus uma mulher apanhada em adultério para ser apedrejada. Bullying é o que os soldados fizeram a Jesus ajoelhando-se em troça diante dele coroado de espinhos dizendo, “Salve o rei dos judeus”; bullying é um povo cruel, sedento de sangue, sem dó nem piedade, ante um Jesus coberto de sangue gritar crucifica-o! Bullying foram todos os linchamentos da história da humanidade, quando o povo enraivecido se transforma na besta mais irracional e no animal mais monstruoso. O ser humano pode chegar a ser mais irracional que o animal, de facto, como notava Lorenz é o único animal que mata dentro da sua própria espécie.

Psicologia do agressor
A maioria dos bullies são fisicamente mais fortes e mais altos que as outras crianças, procuram especificamente os mais fracos, os mais tímidos e os menos equipados para se defender. Ignorados e abusados em casa, na escola desquitam-se ou buscam o respeito e o amor que não têm em casa.

Quem não é amado incondicionalmente em casa busca na rua ou na escola esse amor de formas inadequadas, metendo-se com os outros para dar nas vistas, ganhar popularidade e amizade, e tudo o que ganham é um falso amor baseado no medo.

Quando chegam à idade adulta são anti-sociais e mais propensos a cometer crimes, a bater nas esposas e nos filhos produzindo assim uma nova geração de bullies.

Psicologia da vítima
Geralmente as vítimas são mais sensíveis, cautelosas e calmas do que outras crianças; socialmente pouco competentes, nunca iniciam uma conversa e isolam-se da convivência com os colegas. Como têm uma visão negativa da violência, fogem dos confrontos e conflitos e irradiam ansiedade, medo e vulnerabilidade, que são farejadas pelos agressores, da mesma maneira que um cão fareja o nosso medo e ansiedade antes de nos atacar.

O seu temor e fraqueza física, tom de voz baixo e submisso, são parte de uma linguagem corporal que os denuncia e atraindo sobre si mesmos os bullies. Frequentemente estas crianças são rejeitadas, não só pelos bullies mas também pelos outros colegas; acabam por desenvolver uma atitude negativa em relação à escola e quando começam a ser agredidos ficam ainda mais ansiosos e amedrontados, o que aumenta a sua vulnerabilidade e a possibilidade de serem mais vitimizados, entrando assim num círculo vicioso e espiral de stress que leva a muitos ao suicídio.

Tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à porta
Frequentemente a vítima está tão fragilizada que, por medo ou por vergonha, nem denuncia nem busca ajuda, sofre sozinha… por isso quem sabe do caso ou contempla um episódio de bullying e nada faz tem uma responsabilidade acrescida; o silêncio e a passividade faz dele um cúmplice.

Portanto o contrário de bullying, não é não bullying mas sim, ser bom samaritano, ajudar e denunciar. Se não és parte da solução então és parte do problema; o teu silêncio faz de ti um cúmplice e homicida no caso da vítima se suicidar, como fez aquele jovem da escola de Palmeira.

O silêncio da maior parte do povo alemão, ante o genocídio de 5 milhões de judeus, fez deles cúmplices. Os mafiosos contam com o silêncio dos que até por simples casualidade são testemunhas dos seus actos. Sem silêncio não haveria mafia. Sem silêncio não haveria bullying. O nosso silêncio é por tanto culpável, e parte do problema pois, sempre leva à impunidade dos agressores e à fatalidade das vítimas.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de novembro de 2014

Todo santo teve um passado, todo pecador tem um futuro

Sem comentários:
Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?» (…) Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» (…) Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu, não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar. João 8 1-11

“Quem não tem pecado que atire a primeira pedra”. Porque todos, de uma forma ou de outra, somos pecadores, a nossa miséria comum, deveria despertar compaixão de uns pelos outros. Pelo contrário, a maior parte das vezes suscita a crítica; uma critica mordaz e hipócrita, porque ninguém está livre de culpa. Jesus aconselha-nos a não julgar para não sermos julgados; adverte ainda que a medida que usarmos com os outros será usada connosco; e também, sobre esta mania nossa de apontar o dedo, diz em tom de repreensão: porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não vês a trave que está na tua vista? Mateus 7, 3.

O olho humano não pode ao mesmo tempo focar ao longe e ao perto; por isso quem abunda na crítica aos outros, ou seja, quem foca ao longe e coloca a sua atenção nos defeitos dos outros, muito provavelmente é deficiente em autocrítica, ou seja, não foca ao perto para os seus próprios defeitos.

Mas porque focamos melhor ao longe que ao perto? E porque sentimos prazer expondo os pecados dos outros para os humilhar? Porque toda humilhação é uma forma indirecta e solapada de auto-exaltação; ao apontar o dedo a alguém, estou a atrair as atenções dos outros sobre mim, e subliminarmente dizendo: “Eu não sou assim” “eu sou melhor”…

Ao contrário do homem, Deus, não quer a morte do pecador mas que se converta e viva (Ezequiel 18,23). Deus, que perdoa e esquece, está mais interessado no nosso presente e no nosso futuro que no nosso passado; acredita nas nossas potencialidades e conhece, melhor do que nós, os nossos talentos pois foi ele que no-los deu e é com base nisso que nos perdoa e nos convida a mudar; o que Deus operou em pecadores como Pedro, Paulo, Agostinho e tantos outros pode operar em nós também. Todos eles tinham um passado de pecado, mas para Deus, o que contava era o seu futuro de santidade.

São Pedro, o covarde
São Pedro, o que chegou a dizer ao seu amigo e mestre, “Eu daria a vida por ti” (Lucas 22,33), quando, confrontado por uma criada, como sendo da companhia de Jesus, negou-o por três vezes chegando a afirmar que nem sequer o conhecia.

São Paulo o cúmplice em assassínios
São Paulo é o exemplo clássico de conversão, que em grego se diz metanóia e que significa mudança de mente ou como dizemos popularmente, “mudar de ideias”. A nossa vida é governada pelos nossos pensamentos ou ideias; muitos destes são preconceituosos e irracionais tornando consequentemente inadequado também o nosso comportamento.

A conversão como metanóia supõe confrontar os pensamentos para os modificar. Há uma teoria de psicoterapia que parte deste princípio. A REBT Terapia racional emotiva e comportamentalista baseia-se no conceito de que as emoções e comportamentos resultam de processos cognitivos; e que é possível para os seres humanos modificar tais processos para atingir diferentes maneiras de sentir e de comportar-se.

No encontro com Cristo, a caminho de Damasco, Saulo mudou de mente, mudou de ideia acerca de Jesus, e se antes perseguia os cristãos, e tinha sido até conivente na execução de muitos (Actos 7, 54-60), agora com a mesma convicção e furor anunciava a Cristo acabando por ser, de entre os apóstolos, quem mais viajou, quem mais sofreu pelo evangelho e quem mais se preocupou em educar e guiar as pequenas comunidades nascentes da sua pregação com cartas que continham as suas meditações e reflexões sobre o mistério de Cristo.

Santo Agostinho, o bom vivant
O grande Santo Agostinho, Bispo de Hipona, que juntamente com Santo Tomás de Aquino são respectivamente o “Platão” e o “Aristóteles” da Teologia católica, não nasceu santo mas sim pecador, como todos nós. Aos 15 e 16 anos levava uma vida de valdevinos; aos 17 entrou em união de facto com uma moça que durou 14 anos; dessa união, que nunca resultou casamento, nasceu um filho que viveu até à adolescência. As incessantes preces e lágrimas da sua mãe, Santa Mónica, levaram um dia o marido e o filho Agostinho à graça da conversão.

Miséria e Misericórdia
Voltando à mulher pecadora; depois de todos abandonarem a sua pretensa autoridade para julgar, ficou só com Jesus; como diz o próprio Sto. Agostinho, ficaram a miséria e a misericórdia: a miséria humana representada pela mulher pecadora a misericórdia divina representada por Jesus.

A resposta de Deus, à miséria humana, é a sua misericórdia divina. Há pessoas aprisionadas no seu passado que desconhecem que não há pecado ou miséria humana superior à misericórdia divina, e que os mais santos dos santos foram também fortes pecadores e se eles, apesar da sua miséria, tiveram futuro nós também o temos, todos o têm.
Pe. Jorge Amaro, IMC