O bullying nas galinhas e nos porcos
Durante os meus anos de especialização, em Teologia Moral ou Ética, tinha uma admiração especial pelo trabalho de Konrad Lorenz, fundador da Etologia, o estudo comparativo do comportamento humano e animal. Sem pretender atentar contra a dignidade humana, Lorenz, concluiu que muitos dos nossos comportamentos são também exibidos por animais sobretudo os mais próximos de nós na evolução.
Os 5 milhões de anos que nos separam do primata mais próximo, para bem ou para mal, não foram suficientes para transformar ou acabar com a animalidade, que é parte integrante do nosso ser. Apesar de sermos auto conscientes, exercermos, mais ou menos, controlo sobre nós próprios, sentimentos e pensamentos, o que temos em comum com os outros seres vivos, o nosso instinto animal, é de longe o que mais motiva e determina o nosso comportamento do dia-a-dia.
No tempo em que cuidava de galinhas poedeiras, frangos de aviário e porcos observei que sempre que algum destes animais, por qualquer razão, ficava ferido os outros iam morder ou picar na ferida até o matarem. Sabendo disto, a miúdo procurávamos dentro do curral algum frango ou porco que tivesse uma ferida aberta e sangrante para o poder retirar a tempo e coloca-lo noutro local até a ferida sarar, antes que os outros o matassem.
“Al perro flaco todo son pulgas” diz um proverbio espanhol. Bullying é o que as hienas fazem perseguindo um cavalo ferido magro, que mal se tem em pé e está prestes a morrer. Bullying é o abutre a perseguir um bebé, que se arrasta com fome e sem energia no campo de refugiados do Darfur no Sudão para o lugar onde há alimento. Refiro-me a uma fotografia que deu a volta ao mundo e que causou a morte, por suicido, ao fotógrafo que por ela ganhou um prémio mas não ajudou a criança nem sabia se tinha sido ou não comida pelo abutre.
O bullying entre os humanos é, a meu modo de ver, decalcado deste comportamento animal. Os que o praticam buscam os colegas mais frágeis, mais tímidos e mais vulneráveis, não se metem com os fortes, com os que se podem valer por si mesmos. Se Konrad Lorenz fosse vivo talvez validasse as minhas observações e concluísse que afinal o bullying é um comportamento animal e portanto irracional.
Este tipo de comportamento não existe só nas escolas. Bullying foi o que fizeram os fariseus ao trazer a Jesus uma mulher apanhada em adultério para ser apedrejada. Bullying é o que os soldados fizeram a Jesus ajoelhando-se em troça diante dele coroado de espinhos dizendo, “Salve o rei dos judeus”; bullying é um povo cruel, sedento de sangue, sem dó nem piedade, ante um Jesus coberto de sangue gritar crucifica-o! Bullying foram todos os linchamentos da história da humanidade, quando o povo enraivecido se transforma na besta mais irracional e no animal mais monstruoso. O ser humano pode chegar a ser mais irracional que o animal, de facto, como notava Lorenz é o único animal que mata dentro da sua própria espécie.
Psicologia do agressor
A maioria dos bullies são fisicamente mais fortes e mais altos que as outras crianças, procuram especificamente os mais fracos, os mais tímidos e os menos equipados para se defender. Ignorados e abusados em casa, na escola desquitam-se ou buscam o respeito e o amor que não têm em casa.
Quem não é amado incondicionalmente em casa busca na rua ou na escola esse amor de formas inadequadas, metendo-se com os outros para dar nas vistas, ganhar popularidade e amizade, e tudo o que ganham é um falso amor baseado no medo.
Quando chegam à idade adulta são anti-sociais e mais propensos a cometer crimes, a bater nas esposas e nos filhos produzindo assim uma nova geração de bullies.
Psicologia da vítima
Geralmente as vítimas são mais sensíveis, cautelosas e calmas do que outras crianças; socialmente pouco competentes, nunca iniciam uma conversa e isolam-se da convivência com os colegas. Como têm uma visão negativa da violência, fogem dos confrontos e conflitos e irradiam ansiedade, medo e vulnerabilidade, que são farejadas pelos agressores, da mesma maneira que um cão fareja o nosso medo e ansiedade antes de nos atacar.
O seu temor e fraqueza física, tom de voz baixo e submisso, são parte de uma linguagem corporal que os denuncia e atraindo sobre si mesmos os bullies. Frequentemente estas crianças são rejeitadas, não só pelos bullies mas também pelos outros colegas; acabam por desenvolver uma atitude negativa em relação à escola e quando começam a ser agredidos ficam ainda mais ansiosos e amedrontados, o que aumenta a sua vulnerabilidade e a possibilidade de serem mais vitimizados, entrando assim num círculo vicioso e espiral de stress que leva a muitos ao suicídio.
Tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à porta
Frequentemente a vítima está tão fragilizada que, por medo ou por vergonha, nem denuncia nem busca ajuda, sofre sozinha… por isso quem sabe do caso ou contempla um episódio de bullying e nada faz tem uma responsabilidade acrescida; o silêncio e a passividade faz dele um cúmplice.
Portanto o contrário de bullying, não é não bullying mas sim, ser bom samaritano, ajudar e denunciar. Se não és parte da solução então és parte do problema; o teu silêncio faz de ti um cúmplice e homicida no caso da vítima se suicidar, como fez aquele jovem da escola de Palmeira.
O silêncio da maior parte do povo alemão, ante o genocídio de 5 milhões de judeus, fez deles cúmplices. Os mafiosos contam com o silêncio dos que até por simples casualidade são testemunhas dos seus actos. Sem silêncio não haveria mafia. Sem silêncio não haveria bullying. O nosso silêncio é por tanto culpável, e parte do problema pois, sempre leva à impunidade dos agressores e à fatalidade das vítimas.
Pe. Jorge Amaro, IMC